O líder do Task 43 da IEA Bioenergy André Faaij durante palestra no Workshop do CTBE.
Workshop do CTBE traz avanços e novos olhares sobre esse importante tema da agenda de sustentabilidade dos biocombustíveis
A expansão sustentável da produção de etanol exige avaliações precisas sobre as mudanças no uso do solo em áreas que passam a ser ocupadas para a geração de bioenergia. Já se sabe, por exemplo, que quando a cana-de-açúcar substitui culturas agrícolas anuais como a soja, o impacto na emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) oriunda da alteração do tipo de vegetação é relativamente neutro. Mas quando ela ocupa áreas de culturas perenes, como café e laranja, as emissões crescem. No caso de florestas nativas o aumento é ainda maior. Já o plantio de cana sobre áreas de pastagens degradadas, ao contrário, resulta em balanço favorável de emissões de GEE.
Entretanto, muitas incertezas ainda rondam as pesquisas sobre o tema. Tais questões e avanços científicos foram abordados no Workshop on Quantifying and Managing Land Use Effects of Bioenergy, promovido pelo Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), em Campinas, entre os dias 19 e 23 de setembro.
Um dos aspectos mais controversos segundo os participantes do evento são as mudanças indiretas no uso da terra (ILUC, na sigla em inglês). Estas ocorrem quando uma cultura agrícola voltada à produção de bioenergia entra em uma região onde antes havia, por exemplo, pastagem para a criação de gado. Como a demanda pela carne produzida naquele solo continua a existir, há um deslocamento da produção de bovinos para outra região ou país, gerando uma cadeia de efeitos que poderá resultar em desmatamento de florestas nativas e emissões de GEE em alguma parte do mundo. Estudos sobre esse complexo fenômeno econômico e ambiental ganharam destaque na agenda internacional de sustentabilidade em bioenergia quando agências governamentais dos EUA e da União Européia incluíram modelos matemáticos ligados ao tema em avaliações sobre a sustentabilidade dos biocombustíveis.
Helena Chum, brasileira que atualmente trabalha no National Renewable Energy Laboratory (NREL), parceiro do CTBE, explica que os modelos iniciais utilizados pelas agências internacionais careciam de maior sofisticação para reproduzir a realidade de forma adequada. “No caso Brasil, o território foi modelado como tendo apenas florestas nativas e terras agriculturáveis. Não foi incluída na análise a grande quantidade de pastagens degradadas existentes, o que gerou o resultado absurdo de cerca de 0,8 hectare de desmatamento na Amazônia para cada hectare usado para produzir etanol de cana”, contou Chum.
Para os pesquisadores presentes ao Workshop do CTBE, os modelos matemáticos atuais estão mais robustos, mas ainda necessitam aprimoramento para mensurar adequadamente tamanha complexidade presente no ILUC. “O modelo ideal para ILUC teria que contemplar exatamente a distribuição do uso da terra no mundo de, pelo menos, cinco anos para cá e teria de considerar o manejo do solo em cada região, se houve rotação de cultura ou não, como se deu o plantio e a colheita do material, etc.”, explica Chum.
O Brasil possui um modelo próprio para mensurar as mudanças no uso da terra para bioenergia, o Brazilian Land Use Model (BLUM), desenvolvido pelo Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE) e que está sendo aperfeiçoado com o apoio do CTBE. “Colocaremos um profissional no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) para contribuir com a aceleração do processo de aquisição e interpretação de imagens de satélite sobre mudança no uso da terra, com vistas a melhorar a modelagem do BLUM”, disse o diretor de sustentabilidade do CTBE, Arnaldo Walter.
Novas frentes de estudo
O Workshop promovido pelo CTBE também sediou reuniões periódicas de três grupos de estudos da IEA (International Energy Agency) Bioenergy. Concluiu-se que a bioenergia é apenas um dentre os inúmeros fatores sociais e econômicos que causam as mudanças no uso da terra e que análises eficientes deveriam compreender tais alterações como eventos localizados regionalmente e dentro de condições socioeconômicas específicas.
O debate sobre as mudanças no uso do solo para a bioenergia também possui outras vertentes a serem exploradas: um modelo matemático apresentado por Klaus Peter Zulka, da Environment Agency Austria, mostrou que terras agriculturáveis convertidas em produção de biocombustíveis na Áustria tiveram sua riqueza de espécies reduzida de 3 a 14%, dependendo do grupo de organismos analisados. Já outra pesquisa da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), apresentada por Holger Matthey, mostrou que a pressão por terra para alimentos vai continuar a crescer na próxima década, principalmente por conta do aumento da população mundial e do crescimento econômico de países populosos como Brasil, China, Índia e Rússia (BRICS) que permanecerá na casa de 5% por ano, enquanto o resto do mundo cresce a 2%. No caso dos biocombustíveis, a FAO pressupõe que o etanol de cana-de-açúcar é o que mais vai ser expandido na próxima década, já que a produção de etanol de milho norte-americana, por conta de um mandato do País, não ultrapassará 15 bilhões de galões por ano até 2022.
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