Uma das descobertas mais importantes da ciência brasileira chegou ao seu centenário este ano faltando apenas um motivo para tornar a celebração completa. Ainda não há um medicamento eficaz e seguro para o tratamento do mal de Chagas – a doença cujo ciclo todo foi descrito pelo cientista brasileiro Carlos Chagas em um dos estudos mais completos na história da medicina. Para tentar diminuir esse atraso e atingir o êxito total da descoberta, que quase valeu o primeiro prêmio Nobel ao Brasil, pesquisadores brasileiros estão estudando potenciais fármacos para o tratamento da doença, utilizando compostos obtidos da biodiversidade brasileira.
“Já temos alguns compostos que têm demonstrado boa atividade biológica e propriedades interessantes para o desenvolvimento de candidatos a novos fármacos. Embora as pesquisas estejam em um estágio avançado, ainda vai levar mais algum tempo para chegarmos ao desenvolvimento de um novo, que é o nosso maior objetivo”, diz o professor do Instituto de Física da USP de São Carlos (IFSC/USP) Adriano Andricopulo. Ele abordou esse assunto em uma mesa-redonda durante a 61ª Reunião Anual da SBPC – evento que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) promoveu de 12 a 17 de julho último em Manaus (AM).
No final do ano passado, Andricopulo foi nomeado coordenador do Centro de Referência Mundial em Química Medicinal para a Doença de Chagas, instituído no Brasil pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Reunindo pesquisadores do IFSC/USP e da Unicamp, o centro brasileiro, que é o único da América Latina, integra uma rede internacional de laboratórios para a descoberta de novos fármacos que faz parte do Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais (TDR, em inglês), da OMS.
Criado em 1976, a maior urgência do programa é desenvolver medicamentos para as doenças típicas de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como a de Chagas, malária, esquistossomose e leishmaniose, consideradas negligenciadas pela falta de investimentos das indústrias farmacêuticas. “São doenças que afetam as regiões mais pobres e carentes do mundo e para as quais ainda não existem alternativas terapêuticas razoáveis porque a indústria farmacêutica não vê nelas uma oportunidade atrativa de mercado. O retorno financeiro das vendas desses medicamentos não justificaria o investimento em pesquisa e desenvolvimento que elas precisariam fazer para lançá-los no mercado”, explica Andricopulo.
Desafio - O grupo de pesquisadores do qual o especialista brasileiro faz parte identificou recentemente derivados de ácido anacárdico, adenosina, pirimidina e algumas chalconas como potenciais candidatos para o desenvolvimento de fármacos para doenças como a de Chagas. De origem natural, o ácido anacárdico, por exemplo, possui atividade antimicrobiana e está presente na casca da castanha de caju. Já as chalconas também apresentam atividades antiinflamatória, antiviral e antiprotozoária, e são encontradas em grande escala na natureza em plantas rasteiras ou arbóreas.
Para isolar esses compostos bioativos os cientistas utilizam um processo chamado de triagem biológica, em que são retiradas da biodiversidade diversas amostras de extratos, misturas e compostos puros de fontes naturais, como plantas ou microrganismos. Na fase seguinte, esses compostos são testados contra um parasita, como o protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, ou contra uma enzima-alvo do microorganismo. Se os resultados forem promissores, as propriedades destes compostos podem ser otimizadas por meio de técnicas de química medicinal para que possam ser utilizadas em humanos com segurança e eficácia.
“Temos vários compostos candidatos a fármacos que estão em processo de síntese – construção - ou pré-clínico – aprimoramento. Mas o maior desafio é conseguir parcerias com o setor farmacêutico para fazer o desenvolvimento clínico dessas moléculas, que leva alguns anos para ser finalizado”, conta Andricopulo.
No programa TDR, da OMS, essa barreira foi transposta com a incorporação das gigantes farmacêuticas Pfizer, do Reino Unido, Merck Serono, da Suíça, Chemtura, do Canadá, e Pharmacopeia, dos EUA, ao projeto. As empresas demonstraram interesse em monitorar o desenvolvimento dos novos fármacos inicialmente nas universidade e centros de pesquisa e, posteriormente, fazer o desenvolvimento clínico. Nessa última fase os candidatos a fármacos são testados em humanos antes de serem introduzidas no mercado.
Obstáculo – Outro obstáculo enfrentado pelos pesquisadores é proteger a propriedade intelectual dos compostos planejados e descobertos. O processo de patenteamento de substâncias químicas bioativas - em geral - é muito moroso. Por outro lado, há cientistas atuantes na área que defendem que não haveria a necessidade de proteger essas descobertas dependendo do uso que será feito delas.
“Como essas novas moléculas podem ter muito mais valor em termos de impacto na saúde do que econômico, talvez, para a finalidade de saúde, elas não merecessem proteção intelectual. Mas, sim, devessem ser compartilhadas com os países cuja população é afetada por essas doenças”, analisa o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Eliezer Jesus de Lacerda Barreiro.
Há cinco anos, Barreiro, juntamente com pesquisadores do Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas (Lassbio) da UFRJ e do Paraguai e Uruguai, iniciaram um projeto para desenvolver compostos que possam ser eficientes contra a leishimânia, o parasita causador da leishimaniose. Os pesquisadores já conseguiram desenvolver duas moléculas sintéticas para tratar a doença em modelos animais.
“Estamos muito otimistas. Os ensaios que fizemos com animais apontam resultados muito promissores”, afirma Barreiro, que não revela quais são as moléculas. “Elas apenas falam português”, despista o pesquisador, que aponta que a biodiversidade da Amazônia brasileira pode ser uma fonte inesgotável de descoberta de novos compostos bioativos para o desenvolvimento de fármacos.
De acordo com Barreiro, a Amazônia não possui uma diversidade de famílias botânicas tão grande como a de outros ecossistemas brasileiros, mas ainda é muito relevante. “Os especialistas em produtos naturais, fitoquímicos, dizem que o nosso patrimônio genético nessa área é maior do que podemos ter em todas as florestas equatoriais. O Brasil possui cerca de 120 mil espécies de plantas e o hemisfério norte não atinge nem a metade disso”, compara.
“Já temos alguns compostos que têm demonstrado boa atividade biológica e propriedades interessantes para o desenvolvimento de candidatos a novos fármacos. Embora as pesquisas estejam em um estágio avançado, ainda vai levar mais algum tempo para chegarmos ao desenvolvimento de um novo, que é o nosso maior objetivo”, diz o professor do Instituto de Física da USP de São Carlos (IFSC/USP) Adriano Andricopulo. Ele abordou esse assunto em uma mesa-redonda durante a 61ª Reunião Anual da SBPC – evento que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) promoveu de 12 a 17 de julho último em Manaus (AM).
No final do ano passado, Andricopulo foi nomeado coordenador do Centro de Referência Mundial em Química Medicinal para a Doença de Chagas, instituído no Brasil pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Reunindo pesquisadores do IFSC/USP e da Unicamp, o centro brasileiro, que é o único da América Latina, integra uma rede internacional de laboratórios para a descoberta de novos fármacos que faz parte do Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais (TDR, em inglês), da OMS.
Criado em 1976, a maior urgência do programa é desenvolver medicamentos para as doenças típicas de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como a de Chagas, malária, esquistossomose e leishmaniose, consideradas negligenciadas pela falta de investimentos das indústrias farmacêuticas. “São doenças que afetam as regiões mais pobres e carentes do mundo e para as quais ainda não existem alternativas terapêuticas razoáveis porque a indústria farmacêutica não vê nelas uma oportunidade atrativa de mercado. O retorno financeiro das vendas desses medicamentos não justificaria o investimento em pesquisa e desenvolvimento que elas precisariam fazer para lançá-los no mercado”, explica Andricopulo.
Desafio - O grupo de pesquisadores do qual o especialista brasileiro faz parte identificou recentemente derivados de ácido anacárdico, adenosina, pirimidina e algumas chalconas como potenciais candidatos para o desenvolvimento de fármacos para doenças como a de Chagas. De origem natural, o ácido anacárdico, por exemplo, possui atividade antimicrobiana e está presente na casca da castanha de caju. Já as chalconas também apresentam atividades antiinflamatória, antiviral e antiprotozoária, e são encontradas em grande escala na natureza em plantas rasteiras ou arbóreas.
Para isolar esses compostos bioativos os cientistas utilizam um processo chamado de triagem biológica, em que são retiradas da biodiversidade diversas amostras de extratos, misturas e compostos puros de fontes naturais, como plantas ou microrganismos. Na fase seguinte, esses compostos são testados contra um parasita, como o protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, ou contra uma enzima-alvo do microorganismo. Se os resultados forem promissores, as propriedades destes compostos podem ser otimizadas por meio de técnicas de química medicinal para que possam ser utilizadas em humanos com segurança e eficácia.
“Temos vários compostos candidatos a fármacos que estão em processo de síntese – construção - ou pré-clínico – aprimoramento. Mas o maior desafio é conseguir parcerias com o setor farmacêutico para fazer o desenvolvimento clínico dessas moléculas, que leva alguns anos para ser finalizado”, conta Andricopulo.
No programa TDR, da OMS, essa barreira foi transposta com a incorporação das gigantes farmacêuticas Pfizer, do Reino Unido, Merck Serono, da Suíça, Chemtura, do Canadá, e Pharmacopeia, dos EUA, ao projeto. As empresas demonstraram interesse em monitorar o desenvolvimento dos novos fármacos inicialmente nas universidade e centros de pesquisa e, posteriormente, fazer o desenvolvimento clínico. Nessa última fase os candidatos a fármacos são testados em humanos antes de serem introduzidas no mercado.
Obstáculo – Outro obstáculo enfrentado pelos pesquisadores é proteger a propriedade intelectual dos compostos planejados e descobertos. O processo de patenteamento de substâncias químicas bioativas - em geral - é muito moroso. Por outro lado, há cientistas atuantes na área que defendem que não haveria a necessidade de proteger essas descobertas dependendo do uso que será feito delas.
“Como essas novas moléculas podem ter muito mais valor em termos de impacto na saúde do que econômico, talvez, para a finalidade de saúde, elas não merecessem proteção intelectual. Mas, sim, devessem ser compartilhadas com os países cuja população é afetada por essas doenças”, analisa o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Eliezer Jesus de Lacerda Barreiro.
Há cinco anos, Barreiro, juntamente com pesquisadores do Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas (Lassbio) da UFRJ e do Paraguai e Uruguai, iniciaram um projeto para desenvolver compostos que possam ser eficientes contra a leishimânia, o parasita causador da leishimaniose. Os pesquisadores já conseguiram desenvolver duas moléculas sintéticas para tratar a doença em modelos animais.
“Estamos muito otimistas. Os ensaios que fizemos com animais apontam resultados muito promissores”, afirma Barreiro, que não revela quais são as moléculas. “Elas apenas falam português”, despista o pesquisador, que aponta que a biodiversidade da Amazônia brasileira pode ser uma fonte inesgotável de descoberta de novos compostos bioativos para o desenvolvimento de fármacos.
De acordo com Barreiro, a Amazônia não possui uma diversidade de famílias botânicas tão grande como a de outros ecossistemas brasileiros, mas ainda é muito relevante. “Os especialistas em produtos naturais, fitoquímicos, dizem que o nosso patrimônio genético nessa área é maior do que podemos ter em todas as florestas equatoriais. O Brasil possui cerca de 120 mil espécies de plantas e o hemisfério norte não atinge nem a metade disso”, compara.
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